sábado, 27 de outubro de 2012

A Bruxa

As paredes já não eram mais brancas
Havia cheiro de mofo no ar
Ela tentou recuperar o velho encanto
Deixando a luz do sol entrar

Nos cantos da casa, escuros e imóveis
Asinhas de insetos brilhavam nas teias
Nos cantos da memória, violentos e insones
Antigos sussurros espalhados como grãos de areia

Em forma de icosaedro, um pingente prateado
Jazia sobre a velha cama de madeira nobre
Junto ao surrado manto negro e às pétalas secas
E uma garrafa com tampa de cobre

Enquanto observava suas coisas
Ela recitou os antigos sonetos
Tentando lembrar-se de como era
Ser fruto dos deuses e seus incestos

Quando a noite caisse, a lua a chamaria
As barreiras se romperiam e as sombras se moveriam
O vento sopraria nostálgico e misterioso
E Numa língua desconhecida por ela gemeria

Não se renderia a decepções e amores perdidos
Senhora da noite, irmã dos céus, da chuva e do vento
Sua vida era amálgama de dores e suspiros
Pois guardava no ventre a eternidade de cada momento

domingo, 7 de outubro de 2012

Noite Gélida

Numa noite gélida qualquer
Sonhei que havia sonhado
E no tal sonho descobri
Que aquele sonho dentro do sonho
Era mais real que a própria realidade

Neste momento, o despertar passou a ser insignificante
A realidade passou a ser efêmera
E a convicção perdera sua substância

Naquela noite gélida
Minha alma se dispersou
Como o vapor de café quentinho
Na caneca predileta
 
Minha dor tornou-se transparente
E do silêncio fiz minha sonata

No conforto do travesseiro
Descansei meu crânio preocupado
Recomessei sonhos perdidos
Que há muito haviam partido

Meus pensamentos ecoavam baixinho ao fundo
Mergulhados em bacias de sândalo
E a mente navegava
Melancólica e silenciosa
Como um banho quente de madrugada

O céu tornou-se algodão
Cobertor aquecendo meu peito
O trovão calou-se de medo
E, sob o ronronar do orvalho fleumático,
Adormeci!

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Em Seus Calcanhares

O fugitivo vagava por ruas lamacentas, quando deparou-se com o nada, aturdido.
Quem o havia perseguido por tantas calçadas, por tanto tempo?
Quem era o demônio em seus calcanhares?
Algumas vez você já teve a sensação de ouvir passos
E, ao olhar para trás, perceber que não havia ninguém?

Seguiu sua jornada, mas nada o deixava tranquilo.
Verificou novamente seu alforje, apenas para certificar-se do que iria encontrar.
Apenas o coração de Perséfone ocupava a bolsa de retalhos cinzentos,
Enfeitada com penas de corvos mentirosos e amarrada com cordas de prata.
Outrora seu coração também estivera ali.
Ele o guardara por hora, pois não lhe atribuia muita serventia.
Como fora tolo! 

O coração da Deusa Subterrânea possuia uma fome voraz.
E por fim devorou o coração do fugitivo.
Um dia, ele sentiria falta do precioso pedaço de carne...
Um dia o reclamaria...
Agora tudo estava perdido.
Ouviu passos mais uma vez.
Volveu meia volta e nada encontrou.
Apenas um vazio imenso...